Ilustre Sr. Diretor
Exmos. Senhoras
Meus Senhores:

   Se há honras que, por sua grandeza, esmagam como a que nesse momento me abate ao dirigir-vos a palavra, - há, igualmente, situações que sintetizam vidas inteiras; - há satisfações que resgtatam todo um passado, muitas vezes de lutas e sofrimentos. Estou, senhores, chegado a uma dessas situações, a um desses momentos supremos. Se por um lado vergo ao peso ingente da tarefa, superior em muito às débeis forças, por outro sinto-me rejubilar, colhendo, na singular honra que me foi conferida, a palma simbólica do triunfo, que, alfim, veio coroar os esforços de toda a minha existência.
   Esta situação é para mim uma síntese, porque resume as lutas, as vicissitudes, as esperanças e os desfalecimentos que, em longa sucessão, constituem a trama de minha existência.
   Sem protetores, sem mestres, sem livros, entregue indefeso à corrente arrebatada das necessidades da vida; desde menino sem mais guia que as próprias inspirações, senti-me, bem cedo, atraído fatalmente por um ideal que veio a constituir a força, o fim único de minha vida. Esse ideal, ei-lo para mim realizado, senhores; é bem modesto, confessai-o, porém mais que suficiente para preencher todos os meus mais ousados sonhos de ambição.
   Que mais poderia querer, senão ver-me mestre entre mestres, senão ver-me entre meus pares investido da honra insigne de dirigir-vos a palavra em momento tão solene? Sim, solene, porque ele o é, meus senhores!
   Permiti-me a imodéstia de proclamá-lo alto e bom som.
   Soleníssimo, não somente para mim, dominado inteiramente pela emoção do momento; - não somente para aqueles que chegam ao termo de seu jornadear afanoso, - não somente para meus ilustres colegas, colhendo hoje as primícias das láureas que começam a vicejar em suas frontes ainda juvenis, - não somente para vós todos que me ouvis e que, fina flor de nossa sociedade, concretizais o que de mais elevado, o que de mais nobre em alevantadas aspirações faz palpitar o coração caetiteense, - mas, também, para o Estado, - mas também para essa grande causa cujos triunfos se pleiteiam e se assinalam no infinito campo da inteligência - a instrução pública.
   Sim, senhores, mau grado à má vontade de muitos, - mau grado à falsa compreensão das exigências da atualidade, força é confessá-lo, o momento é solene, principalmente porque nele, modestamente embora, registra-se um primeiro triunfo, tanto mais valioso, tanto mais significativo, quanto mais contestável foi.
   Hoje triunfa aqui, não somente a grande causa universal, - a instrução generalizada; - não somente o espírito vivificador do século - a instrução difundida; mas o instituto da luz, a intuição esclarecida de um espírito de eleição, que não se deixando intimidar pelas dificuldades reais e pelas criadas pela má vontade; que não se deixando colher nas malhas de um exclusivismo concentrador, que só quer a vida e a luz para o centro em detrimento da periferia; que não se deixando arrastar pela embriaguez que seduz os espíritos nos grandes centros, enervados pelo gozo egoístico da posse exclusiva do mando, e pelo privilégio absorvente de concentrar em si todas as vantagens, todos os benefícios, - bateu-se com dedicação, armou-se com todas as energias que dão as grandes convicções, lutou esforçadamente, e conseguiu, afinal, provar que era exequível o plano salvador da instrução pública no Estado por meio de Escolas Normais que servissem de outros tantos centros emissores de luz.
   Hoje, aqui triunfa o bem orientado amor da pátria que inspirou a esse ilustre sertanejo a idéia abençoada de dotar o sertão do maior dos benefícios - o ensino facilitado. Hoje aqui triunfa o espírito liberal que quer vulgarizada, na mais alta expansão, difundida e ao alcance do povo, a instrução que até há pouco, era privilégio de alguns; - hoje aqui triunfa a generosa política que quer que as grandes conquistas modernas, as grandes vantagens da civilização não fiquem circunscritas a uma limitada esfera, mas sejam o banquete, o ágape em que todos os irmãos da nova religião possam, desassombrados, tomar o lugar que a vocação, o talento, a competência, a virtude, asseguram a cada um. Hoje, triunfa aqui o verdadeiro espírito democrático, esse que, pondo o ensino ao alcance de todas as vocações, facilitando o abrolhar das inteligências, o levantar dos espíritos, onde quer que eles tenham surgido, veio definitivamente acabar como regímen de classes, com a divisão entre privilegiados e esquecidos, entre patrícios e plebeus, entre os exploradores e explorados, entre cidadãos e ilotas.
   Hoje aqui se firma o primeiro marco plantado no largo estádio aberto às inteligências e às vontades, verdadeiramente soberanas. Hoje aqui se afirma que a instrução pode ser uma realidade no sertão, e quem diz instrução, senhores, diz progresso, diz liberdade, diz grandeza e emancipação.
   Hoje, finalmente, prova-se, aqui, que a idéia fecunda que tem feito a ressurreição de outros povos, pode também fazer a nossa; que o pensamento que fez pulularem no vizinho Estado institutos iguais ao nosso, era tão viável, tão fecundo lá como cá.
   Congratulemo-nos pois, senhores, pelo fausto dia de hoje, verdadeira alvorada que, precursora da grande luz meridiana, principia a dourar a larga linha do nosso horizonte e, comemorando tão feliz acontecimento, permiti-me que convosco lance um rápido olhar retrospectivo, pelo extenso caminho feito pela humanidade no campo da instrução.
   Desde que as sociedades se constituíram, a inteligência humana, não contente com perceber e estudar o mundo exterior, voltou para si mesma o acume investigador de seu espírito de observação. Estudar a si mesmo tornou-se a ocupação favorita dos espíritos superiores; estudar o homem, tanto sob o ponto de vista físico como sob o moral e intelectual, tornou-se o fundo comum de todas as filosofias, a origem única, a fonte principal de todo o progresso. Desde logo viu-se que se o fim dos seres está na razão de sua natureza, largo e imenso deveria ser o papel do homem no complexo harmônico da vida universal. Desde então compreendeu-se igualmente que preparar esse comparsa, desenvolver-lhe as faculdades todas, habilitá-lo para o grande fim de sua criação, era o primeiro dever da sociedade, quer em seu embrião - a família, quer em sua máxima expressão - a sociedade política, a nação.
   Desde então, pode-se dizer, nasceu a educação e, com ela, a instrução; assim é que desde as mais remotas eras, nesse misterioso Oriente, na Índia e na China, na Pérsia e no Egito, vamos achar a instrução imposta já como uma necessidade social; vamos achá-la elevada já à altura de instituição nacional, carregando a característica de cada povo e consubstanciando o espírito nacional na orientação e feições principais - velada e misteriosa no Egito, onde os sacerdotes de Osíris e de Ísis cercavam-na de sombras e sigilos, guardando para si, as mais elevadas idéias enquanto o povo perdia-se na mais grosseira superstição; - viril e guerreira na cavaleirosa Pérsia, ciosa e altiva de sua independência; - conservadora e sem ideias entre indus e chineses; preparando naqueles - as futuras vítimas da prepotência inglesa e nestes, com seu imbele Império do Meio, o imenso cetáceo, arribado, indefeso, às plagas dos tempos modernos, como enorme proeza oferecida à avidez das aves de rapina; religiosa e crente nos Hebreus, despertos sempre, sempre atraídos para as coisas divinas, não só pelas vozes dos profetas como, não poucas vezes, por Jeová. Assim, enquanto na velha Grécia os cume do Helicon, do Parnaso e do Pindo ainda não se povoavam de musas; - enquanto a Aretusa corria, ignorada, entre selváticas espessuras; a Castália se não cercava do bando alegre das Ninfas, nem a Hipocrene jorrava sob as pegadas do fogoso Pégaso, já no Indostão o espírito humano ascendia às culminâncias da filosofia; já os colossais poemas teogônicos mostravam a inteligência levada a seu apogeu - Já em seus templos, entre tantos, formosos poemas de pedra, a arte enorme e deslumbrante avassalava a admiração, agrilhoando-a, vencida, até nossos dias; já Confúcio instituía escolas; já na Pérsia Zoroastro fundava a poderosa nacionalidade sobrevivente a todas as revoluções que têm abalado o mundo, já o Zend Avesta dava ensinamentos - já entre os Hebreus, Davia com a sua harpa divina, mitigava os furores de Saul, o grande livro se completava e, já no Egito, as Pirâmides, os obeliscos, as esfinges, os templos se elevavam desafiando, por milênios, a admiração dos homens. Mas, como a Terra em sua viagem eterna, novos horizontes vai oferecendo à luz solar, enquanto outros, deixando imersos em sombras crescentes, a civilização vai se deslocando lentamente, no sentido da luz diurna.
   A cultura helênica começa a fulgurar à proporção que os velhos povos orientais vão se imergindo nas sombras da decadência ou atufando-se na estagnação do seu conservadorismo entorpecedor.
   Enquanto eles se abatem, os filhos de Hellen, essa bela e vigorosa, esses descendentes de heróis, de deuses e semi-deuses, vão levantando os mais soberbos monumentos, vão erigindo, com os poemas homéricos, com seus historiadores, com seus trágicos, com seus filósofos, obras imortais, culminâncias do espírito humano, mais belos e mais duradouros que a Acrópolis ou o Partenon.
   Servindo de mãe à moderna civilização ocidental, a civilização helênica duas vezes salvou a Europa e com ela os destinos humanos.
   Por sua cultura sem par, pelo gênio de seus filhos, por sua educação equilibrada ela, ao passem que em seus
pedagogiuns, criava essas sucessivas gerações de atletas e de guerreiros incomparáveis; educava essa descendência de Hércules e de Marte, capaz de resistir à aluvião persa e assentava os fundamentos de todo o vasto edifício que constituía a surpreendente civilização hodierna. Foi de sua educação tão felizmente orientada que surgiu a série ininterrupta de homens notáveis ao mesmo tempo guerreiros e historiadores; tão ilustres nas lides do espírito, como nas do corpo - nas lutas da tribuna, como nos campos de batalha. A essa educação o mundo deve não só os heróis das Termópolis e os louros de Maratona e Salamina, como deve, igualmente, os modelos inimitáveis em estética, imorredouros monumentos, verdadeiros ideiais inatingidos por tudo quanto de mais sublime tem criado o gênio moderno. Mas o aforismo que 2.000 anos depois devia caracterizar a política de Bismark, - a força prevalece ao direito, - já nesse tempo, tinha a sua similar - a força prevalece à inteligência. Roma levanta-se e, sob a proteção da loba simbólica, a futura cidade dos Césares, a metrópole do mundo, ia erguendo o colo altivo. As rudes gerações sucessoras da que fora contemporânea de Rômulo, haviam desaparecido; os frágeis muros primitivos da cidade havia cedido lugar às mais sólidas muralhas e a águia que havia de pairar sobre o mundo conhecido, ensaiava já o vôo altivo.
   Em pouco, os limites da península lhe não bastaram; os confins da Europa a não detiveram; a Ásia e a África foram igualmente devassadas. Os heróis das guerras Medas já não existiam; Alexandre e seus generais haviam desaparecido e a Grécia, a terra clássica das artes e das letras caiu sob o jugo do povo rei.
   As legiões romanas já não encontravam as vitoriosas falanges de Milcíades e os louros de Maratona e Salamina, teriam para sempre emurchecido, se a inteligência não fosse sempre a força inatingível e imortal, a vitoriosa "fênix", trazendo para o pecúlio eterno do espírito humano os fastos dessa luta titânica em que, com a independência da Grécia, salvou-se o futuro do mundo ocidental.
   A cidade da loba suplantou a de Pallas; nos domínios da força prevaleceu aquela, mas nos da inteligência... triunfo eterno - ficou para sempre soberana Atenas, invicta! Os Cíceros, os Horácios, essa plêiade ilustre de homens que fundou para Roma outro império, mais vasto e mais duradouro que o das armas, lá foi beber as luzes com que se ilustrou, lá foi se inspirar - lá foi buscar os modelos; seu próprio épico, o divino poeta de Mântua, lá foi tirar o assunto e o molde para a epopéia nacional.
   Excetuando o direito, - em que a vitalidade e força romana se concretizaram, toda a expansão literária ou artística desse povo, todas as manifestações enfim, de sua inteligência trazem impressa como caráter, a imitação grega. O reflexo da intensa cultura helênica, de seu brilho incomparável, de sua incrível força criadora, se denuncia e transparece em toda a obra romana, assegurando para sempre o triunfo definitivo do gênio grego. As termas, os aquedutos, os anfiteatros, o Coliseu, o Panteon, debalde atestarão a grandeza de Roma, o que dela permanece, seus melhores monumentos, - os de sua literatura, são a inspiração, quando não a cópia, a imitação servil dos modelos gregos. Assim, pois, a cultura romana nada mais foi que a continuação da grega, tendo por ideal preparar na criança o futuro cidadão, e, no homem, desenvolver sem preferências as faculdades todas de sua vida física, moral e intelectual. A noite, porém, que devia enlutar o espírito humano mas que nos desígnios providenciais devia trazer os elementos constitutivos do mundo moderno, a aluvião que devia, destruindo tudo, trazer o húmus vivificador e os germes fecundos do futuro, negrejava já nos confins longínquos do horizonte norte.
   A invasão dos bárbaros como uma ruminol (1) precípite, caiu sobre o gasto mundo rommano. A cidade dos Césares tremeu até seus fundamentos e o vasto império romano não foi, então, mais que o imenso espólio oferecido à insaciável ambição do bárbaro indômito. Sua brilhante civilização a pouco e pouco foi se apagando na vasta noite sombria que veio a constituir o largo período medieval. Da instabilidade das coisas, da perturbação das idéias, das imprevistas soluções dadas a graves problemas; das lutas contínuas, das colisões em que figuravam como protagonistas povos e não indivíduos - raças inteiras e não simples agrupamentos nacionais, resultou essa confusão, essa misteriosa semi-obscuridade que constitui a característica desse largo período helenístico.
   Nessa vasta penumbra enorme, debatiam-se, indecisos, os elementos constitutivos das novas nacionalidades, como em imensa nebulosa os elementos de novos mundos.
   Foi desse mundo sombrio, que um vulto colossal se destacou, projetando, desde então, até quase nossos dias, a intensa luz que de seu gênio, de sua pasmosa intuição, se desprendeu. Com a superioridade de vistas que só o gênio tem, Carlos Magno, erguendo-se acima do seu tempo, compreendeu que só da instrução sistematizada e tanto quanto possível disseminada, poderia resultar a emancipação do espírito humano do estado de opressão e abatimento a que a caótica confusão da época o condenara.  De elementos disperso, de pequenos focos abafados aqui e ali pelas sombras, ele quis constituir um centro assaz poderoso que, servindo de farol a uns, iluminasse a todos os caminhos a seguir.
   Principiando por si, tratou de se instruir, depois, cercando-se de sábios, à frente dos quais o grande Alcuino, instituiu uma Academia, assentando assim, as bases desse fecundo ensino clássico, que sonsistia principalmente no cultivo da literatura greco-latina. "As línguas nacionais não tinham nesse tempo nem expressão nem precisão" diz aimé Martin, "não podiam exprimir nem a lei - nem o Direito, nem a ciência, nem a filosofia, nem a religião". Cedeu, portanto, o grande legislador a  uma necessidade de época em que viveu, explorando ao mesmo tempo, as ricas jazidas em que entesouradas se guardavam as riquezas científicas e literárias dessas duas grandes civilizações. Na própria corte estabeleceu escolas para crianças e compeliu bispos e abades a abrirem-nas junto às Catedrais e Abadias.
   Essa foi a origem das escolas episcopais e abaciais que tantos serviços vieram prestar.
   Essas instituições, qualquer que seja seu mérito absoluto, em relação ao tempo, foram da mais alta importância. Alguém comparou-as a focos acesos em plena noite medieval, iluminando-a e, com as duas formosas línguas, salvando para a civilização moderna os grandes tesouros da antiga. "Conquanto, continua Aimé Martin, em prejuízo da marcha ascendente do espírito humano, um pouco se abusou desse estado de coisas, substituindo-se, nos colégios, Homero e Virgílio, Platão e Cicero por São Tomás de Aquino e Raymundo Lullo".
   Antes disso, porém, imenso serviço prestaram; basta lembrarmo-nos que de seu posterior desenvolvimento, segundo afirma J. Paroz, nasceram as Universidades, entre as quais a de Paris em 1200, a de Oxford em 1240 e infinidade de outras por toda a Europa, antecedendo a elas a escola de Bolonha que, no fim do século XII já contava 12 mil estudantes.
   Mas antes de tudo isto, já as ordens religiosas prestavam incalculável serviço à civilização, principalmente a Beneditina que, até nossos dias, em nosso próprio País, na Capital Federal (2), continua sua obra benéfica.
   Com a morte do grande instituidor seguiu-se a divisão do império.
   "A fraqueza de seus sucessores e o conseqüente enfraquecimento da realeza, diz outros escritor, deram causa senão ao nascimento, ao menos ao desenvolvimento progressivo do feudalismo".
   À sombra do castelo roqueiro, levantando nas alturas como ninho de águias, os míseros servos da gleba agrupavam as tristes choupanas onde, como alimárias, escondiam a própria miséria. Esmagados sob uma opressão ferrenha, chegaram ao abatimento de zelarem como um direito, a regalia de só poderem ser
vendidos com a terra que cultivavam!
   Só a pouco e pouco, numa elaboração que durou séculos, o instinto de liberdade, principiando por associação de artes e ofícios, que na França e na Alemanha chegaram a ter grande influência, dando origem a um tal ou qual desenvolvimento ao ensino profissional, chegou a formular aspirações definidas que foram se acentuando com as
Comunas, o primeiro e decisivo passo para a fundação de um novo estado social e político. Isto, porém, não obstou que, por séculos, pavoroso eclipse passasse sobre o espírito humano. Criadas as Universidades, estabelecida definitivamente a influência da Igreja que aliás, tantos serviços prestara já à instrução, salvando-a do naufrágio geral que se seguiu ao esfacelar do Império Romano, campeou, soberana, a escolástica. Só depois de uma luta tremenda, arrancou-se a humanidade a esse estado humilhante. "Estaria morta a civilização européia, diz Aimé Martin, se alguns homens de gênio e dedicação se não tivessem oposto ao movimento retrógrado. De cima dos muros da Universidade, os obscurantistas fulminavam excomunhões, a que seus adversários respondiam com a razão e a ciência". Grandes acontecimentos, entretanto, fechavam a Idade Média: - o Império do Ocidente tinha caído, a iimprensa dava à inteligência a formidável alavanca do progresso; homens de gênio já tinham abalado esse mundo de trevas, quando... "no meio dos gritos da escola, diz o mesmo escritor, das bulas e dos raios teológicos, apareceram LUTERO, que abalou o mundo e INÁCIO DE LOYOLA que procurou dominá-lo".
   Da obra desses dois gigantes originaram-se as duas poderosas correntes antagônicas que, por motivos opostos, disputaram entre si, o domínio da razão humana. Desse colídio resultou o abalo moral talvez mais profundo que tenha comovido o espírito humano.
   Entretanto, o Renascimento, como aurora benfazeja, tinha já raiado nos horizontes da humanidade. No solo fecundo da Itália, nossa pátria querida das artes, elementos congregados pelo gênio dos Médicis, determinaram essa grande revolução, que abrangendo as artes, as ciências e as letras, chegara a propagar-se por toda a Europa. Desde então, o espírito humano vivificado, caminhou em constante progressão; a imprensa, por um lado, alargava o horizonte mental e a bússola pelo outro, o físico, tornando possível as grandes navegações e fazendo nascer esse espírito de descobertas que, originário da genial intuição de Dom Henrique, do alto do promontório de Sagres, lançou o largo descortino até os confins do hemisfério oposto. Aos portugueses e espanhóis seguiram-se holandeses e ingleses; aos Bartolomeus Dias, Gamas, Colombos, Américos e Magalhães seguiu-se uma plêiade inteira de audaciosos navegadores, que passando pelos Cook, Laperouse, Bougainville e tantos outros, prolongou-se até nossos dias, com os arrojados exploradores dos pólos. O Comércio expandindo-se, insinuando-se pelos novos continentes, a toda a parte, levou a civilização e, com ela, a necessidade da cultura dos espíritos. A obra dos grandes educadores alemães e franceses, derramando-se da Europa pelas colônias, continuou os progressos por lá realizados. Os nomes dos LA SALLE, PESTALOZZI, LANCASTRE, GIRARD e FROEBEL, tornaram-se universalmente conhecidos. Tudo progrediu. Nem a tempestade de ferro e fogo que as guerras Napoleônicas fizeram desencadear, varrendo como um ciclone a superfície da Europa, pôde deter a marcha triunfante do espírito humano. Debalde o grande guerreiro diz que "não tem tempo para atender ao abc".
   O abc, porém, guiado pela dedicação de Pestalozzi, de Froebel e de uma legião inteira de beneméritos da instrução, avançou sem retrocesso, constituindo-se a primeira preocupação dos governos, dos municípios, das famílias e dos indivíduos.
   Uma revolução completa se realizou; os velhos processos, a estéril rotina recuaram ante a moderna concepção pedagógica. "A pouco e pouco, permiti que repita aqui o que já escrevi algures, pouco a pouco o ensino foi se tornando obrigatório em quase todos os países, os programas se alargaram, as reformas sucederam-se; por toda a parte levantaram-se prédios escolares, na Alemanha, na França, Europa inteira, finalmente.
   A América do Norte tomou a vanguarda do movimento; governos e particulares empenharam-se na grande luta e rivalizaram em liberalidades; um como renascimento geral fez florescer pelo mundo civilizado a instrução primária, base, fundamento de toda a cultura.
   As novas idéias propagaram-se, os métodos se aperfeiçoaram, um material escolar apropriado garante-lhes os bons resultados; fundam-se Escolas Normais e, por toda a parte, todos os anos, uma legião de novos apóstolos, espalha-se, propagando os dogmas de uma nova religião".
   O movimento salvador estendeu-se até nós; um espírito tão lúcido quanto devotado ao bem, converte-se em paladino da grande causa e propugna denodadamente pela criação das Escolas Normais no centro.
   Outro, não menos lúcido e devotado ao bem, leva a idéia à sua fase final de realização e hoje, senhores, após ingente luta, dessa idéia felizmente vitoriosa, colhemos os primeiros frutos e coroamo-nos com os primeiros louros.
   Sois vós, caras colegas, que concretizais neste momento solene, a soma colossal de esforços daqueles que, ainda ontem, eram vossos mestres e que hoje, se ufanam de possuir em cada uma de vós mais que uma continuadora da obra benéfica da instrução - uma brilhante afirmação, um vivo documento da seriedade do ensino aqui ministrado, uma atestação categórica da capacidade, da competência, do devotamento ao dever de cada um de meus ilustres colegas, uma asseveração eloqüente do tino, da imperturbável intransigência no cumprimento do dever, da segurança, firmeza e ilustração daquele que hoje, colocado no posto de honra de JASON desta nova ARGOS, em demanda da nova COLCHOS, constituiu-se o chefe da colméia em que solícitas abelhas da luz, elaboram o elemento vital das novas sociedades.
   A essa legião de portadores da luz de que há pouco falei, pertenceis vós, minhas jovens colegas! Nesse crescente número de apóstolos do bem, alistai-vos hoje!
   Possam os votos do velho mestre acompanhar-vos!
   Possam os últimos lampejos de um espírito decadente já mas devotado sempre às grandes causas, iluminar-vos os primeiros passos na trilha escabrosa, cheia de espinhos, mas ornada com os troféus ganhos nas mais honrosas pugnas que, entre homens, se pelejam! Possam os votos que faço por ti, oh, minha filha, filha que o és tanto pelo sangue quanto pela educação, estenderem-se por tuas colegas, minhas filhas também, pelas cãs que me cobrem, - pelos sentimentos de que me animo para com todas, - pela paternidade espiritual que prende o mestre ao discípulo, - pelo ensino, pelos princípios que procurei incutir no coração de todas, durante três longos anos em que quais peregrinos de uma nova MECA, juntos norteamos para esse fanal, ponto de convergência de todos os espíritos amantes da luz!
   Que a missão sagrada da mulher em vós se combine e se confunda com a missão não menos sagrada da mestra!
   Lembrai-vos que sereis, talvez, breve - a mãe de vossos alunos! Lembrai-vos do que disse Rousselot, o grande mestre: _ "O amor seja sempre o espírito vivificante de toda a educação".

                          
Marcelino José das Neves.
Publicado no livro "Caetité e o Clã dos Neves", de Marieta Lobão Gumes (Mensageiro da Fé Ltda., Salvador, 1975) é um verdadeiro tratado, uma aula de pedagogia e história.
Documento
MARCELINO JOSÉ DAS NEVES:
DISCURSO COMO PARANINFO DA ESCOLA NORMAL -  em 24 - DEZEMBRO - 1901
Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003
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Marcelino José das Neves
Notas:
(1). Ruminol (sic) - ignoramos o significado da palavra, mas a transcrevemos tal como se encontrava na obra em que foi colhido o material. O mesmo vale para a palavra "colídio", que adiante se vê.
(2). Capital Federal - o Rio de Janeiro, àquele tempo.
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