Chamando de "cantigas" aos poemas deste volume, Camillo divide-o em 5 partes, a saber: 1- Que o Coração Diga Tudo; 2- Cantiga de Amor; 3- Cantiga da Alma Tumultuária; 4- Cantiga do Filho Velho e 5- Cantiga da Saudade e do Remorso.

   Aliado ao romantismo de seus versos, o escritor exibe clara faceta do poeta-engajado, e isto sem carregar nas tintas: está patente em "Canção da Guerrilheira" e no interessante poema "Bate, César", que transcrevemos:
Camillo de Jesus Lima
Livro publicado pelo poeta em 1955, quando morava em Salvador, Bahia (à rua Ismael Ribeiro, 22, no Tororó), pela S.A. Artes Gráficas, também da Capital baiana.
Release
CAMILLO DE JESUS LIMA:
CANTIGAS DA TARDE NEVOENTA
Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003
Voltar para Camillo
Por que é que a tua mão perversa bate no meu rosto?
Por que é que marcas o meu dorso magro com as estrias roxas
Do teu chicote cruel?
Por que é que as tuas unhas deixam manchas negras na minha pele?
Se é só porque eu disse aos que clamam que, um dia, tudo mudará,
Se é só porque eu afaguei as almas dos infelizes com o carinho da minha esperança
Continua a bater, porque eu não me calarei.

Por que escarras na minha barba suja de terra?
Por que esmagas a minha mão calosa com o teu tronco de ferro?
Por que mandas os teus carrascos esmagarem os meus pés com as patas dos teus cavalos?
Se é só porque eu disse que o pobres devem ter pão,
Que todos os homens são iguais;
Se é só por isso, continua a escarrar na minha barba suja de terra,
Continua a esmagar minhas mãos calosas no teu tronco de ferro.
Continua a mandar o teu carrasco
Esmagar os meus pés doloridos e roxos,
Porque eu jamais me calarei.

Dize tu, poderoso, dize tu, César,
Se alguém pode conter a tormenta que estala;
Se alguém pode deter a torrente dos rios
quando eles descem, como avalanches, das montanhas.

Dize tu se alguém pode deter o dia rubro que engole, como um dragão de fogo, a noite negra,
E espalha ouro e carmim no horizonte infinito.
Como é que tu queres, com teus castigos desumanos,
Deter a torrente da revolta e a infinidade de esperanças que saltam do meu coração?

Bate, César... Maltrata... Esmaga... Tortura...
Mas eu ouço o tropel dos cavalos na noite.
Vejo sangue correr... Vejo a terra vermelha.
Vejo homens em luta. Ouço a música suave
Que adormece os infelizes e sobe ao céu com a fumaça das casas pobres dos proletários...

César, que mão alva é esta que estende pão às crianças famintas?
César... que tropel é este que ouço, dentro da noite?...
Bate, César
  Esta faceta do Poeta mostra quão deixava-se embalar pela preocupação social, que um dia no futuro iria causar-lhe a prisão e, quiçá, a própria vida...

   Seus versos efetivamente são tudo aquilo que dele disseram Afrânio Peixoto, Jorge Amado, Nudd de Carvalho e tantos outros: e o leitor (em especial o caetiteense, que conhece a cantiga de ninar) verá que qualquer comentário sobre este livro será pequeno, ante o verbo
camilliano:
Cantiga de Acalentar Velhice
"Sapo cururu,
Da beira do rio,
Dá-me um cobertor, sapinho,
Que morro de frio"...

A voz lírica de Minha Mãe
Cantava para eu dormir...
E as mãos alvas de Minha Mãe
Afagavam meu rosto, tão meigas,
Macias como veludo.

Quando eu andei, como um tonto,
Dos braços de uma para os de outra,
Eu procurava uma voz
Que me fizesse dormir,
Com o lirismo e a meiguice daquela voz.
Eu procurava umas mãos alvas
Que afagassem meu rosto,
Macias como veludo.

Por isso é que, hoje, cansado,
De ter andado de mão em mão,
No teu colo descanso minha cabeça,
Voltando da longa peregrinação.

Só tuas mãos acalentam
Minha dor para a fazer dormir.
Canta mais, Minha Mãe, para teu filho velho e cansado:

"Sapo cururu
Da beira do rio"...

Canta mais, Minha Mãe, para teu filho velho e cansado.
Canta, que a minha alma tem frio...
Hosted by www.Geocities.ws

1